A questão da alimentação humana é um tema tão amplo e complexo quanto polémico e controverso. O assunto "dieta" tem chamado cada vez mais a atenção das pessoas. Embora a noção básica que temos hoje sobre alimentação esteja fundamentada numa herança cultural, hoje em dia muita coisa que inicialmente era considerada "saudável" já tem sido revista e até reclassificada, em muitos casos, com um rótulo oposto.
O tema da alimentação gera indagações que levam a reflectir sobre questões fundamentais da antropologia tais como a relação da cultura com a natureza, o simbólico e o biológico. Alimentar-se é um acto vital, sem o qual não há vida possível, mas, ao alimentar-se, o homem cria práticas e atribui significados àquilo que está a incorporar a si mesmo, o que vai além da utilização dos alimentos pelo organismo. A alimentação não faz parte da naturalidade do homem, mas sim da própria cultura que o próprio homem produz e administra.
A alimentação é cultura quando se produz, porque o homem não utiliza apenas o que encontra na natureza, o homem transforma o que a natureza oferece, pelo uso do fogo e de uma elaborada tecnologia representada pelas técnicas de cozinha.
A alimentação é cultura quando se consome, porque é o homem que escolhe a sua própria alimentação tendo em conta factores económicos nutricionais, e valores simbólicos de que se reveste a própria comida.
A alimentação é um elemento decisivo na identidade humana e é um dos instrumentos mais eficazes na comunicação entre pessoas, entre sociedades.
A satisfação das necessidades nutricionais é uma condição indispensável à sobrevivência dos seres humanos. Como afirmou Fischler, “o homem é um omnívoro que se alimenta de carne, de vegetais e de imaginário.” Assim, o acto alimentar implica também valoração simbólica. É dessa forma que podemos entender que o que é considerado comestível numa sociedade, ou num grupo social, não o é noutra.
A fome e a sede, necessidades vitais, são formuladas e satisfeitas em termos culturais, sociais e históricos. O que se come, com quem se come, quando, como e onde se come, enfim, as escolhas alimentares são definidas pela cultura: “o homem alimenta-se de acordo com a sociedade a que pertence”. Todos estes aspectos estão relacionados, constituindo determinados sistemas alimentares, práticas alimentares diversificadas que compreendem não apenas certos itens alimentares consumidos mais frequentemente, mas sim um conjunto de alimentos que se relacionam às representações colectivas, ao imaginário social, às crenças do grupo, às suas práticas culturais. “Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és”, as escolhas dos alimentos podem indicar o status de um indivíduo numa sociedade, assim como a cozinha de um grupo social, ao agir em conformação na relação de pertença com os seus membros, expressa a sua identidade.
A comida envolve emoção, trabalha com a memória e com sentimentos. As expressões "comida da mãe", ou "comida caseira" ilustram bem este caso, evocando infância, aconchego, segurança, ausência de sofisticação ou de exotismo. Ambas remetem ao "familiar", ao próximo. Porém, se o "toque caseiro" é o toque mais íntimo em oposição ao "toque profissional", em série, não-pessoal. O toque "da mãe" é uma assinatura, que implica tanto no que é feito, como na forma pela qual é feito, que marca a comida com lembranças pessoais.
A comida pode marcar um território, um lugar, servindo como marcador de identidade ligado à uma rede de significados. Podemos assim falar em "cozinhas" de um ponto de vista "territorial", associadas a uma nação, território ou região, indicando locais de ocorrência de sistemas alimentares delimitados. A cozinha permite que cada país, região ou grupo assinale sua distinção através do que come.Comer é mais que ingerir um alimento, significa também as relações pessoais, sociais e culturais que estão envolvidas nesse acto. A cultura alimentar está directamente ligada com a manifestação desta pessoa na sociedade. Alimento é um dos requerimentos básicos para a existência de um povo, e a aquisição desta comida desempenha um papel importante na formação de qualquer cultura. Os métodos de procurar e processar estes alimentos estão intimamente ligados à expressão cultural e social de um povo. A comida é uma expressão cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interacção social no acto de ingestão de alguns alimentos. O alimento é algo universal e geral. Algo que diz respeito a todos os seres humanos: amigos ou inimigos, gente de perto ou de longe, da rua ou da casa. Por outro lado, comida refere-se a algo sadio, alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa. Temos então o alimento e temos comida. Comida não é apenas uma substância alimentar, mas é também um modo, um estilo e uma forma de se alimentar. A comida vale tanto para indicar uma operação universal – acto de alimentar – quanto para definir e marcar identidades pessoais e grupais, estilos regionais e nacionais de ser, fazer, estar e viver.
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